Representação manipulação (iStockphoto)
Se engana quem pensa que é possível se blindar da influência que o Mercado Financeiro tem na sua vida. Apesar de muitas vezes atuar nos bastidores, é inegável que essa área faz parte do dia-a-dia de todas as pessoas (de maneira direta ou indireta). O que você veste, assiste ou consome é consequência, provavelmente, de estratégias que buscam atender expectativas de um grupo seleto chamado de sócios ou acionistas.
No atual sistema econômico predominante no mundo (capitalismo), o lucro é sempre bem- vindo. Sendo assim, faz parte do cotidiano de todas as empresas tentar alcançar bons resultados para agradar as figuras que as bancam. Por isso, é fundamental que as instituições se utilizem das mais variadas ferramentas para atingir seus objetivos.
Muitas vezes, de maneira sutil, elas tentam influenciar seu público a tomarem atitudes que normalmente não são “naturais”, por meio de instrumentos que conseguem ajudar a moldar um padrão de consumo esperado. Esportes, propagandas e filmes são alguns dos diversos artifícios utilizados pelas empresas para atingir suas metas. Entretanto, entra nessa equação algo que torna tudo mais divertido: a imprevisibilidade de um evento e, acima de tudo, do comportamento humano. O objetivo desse texto é mostrar como algumas situações aparentemente despretensiosas e banais, em alguns casos, atingiram o objetivo (ou não) de influenciar a sua vida.
Já adiantando que muitas das vezes não é para ganhar o tão sonhado título do seu time, você já se perguntou, por exemplo, porque alguns clubes, geralmente de ligas menores como a MLS (Liga Americana de futebol), contratam jogadores renomados que algumas vezes já estão em fim de carreira ? Ou porque algumas equipes preferem investir, em alguns casos até mais caro, em um jogador renomado, mais velho e “rodado” do que em um jovem talento?
Isso acontece porque quando um atleta de alto nível, com renome mundial, chega em um clube ele traz consigo não só experiência e talento, mas também uma imagem associada a vitórias, títulos e sucesso. Essa imagem consolidada além de atrair os holofotes para um time, consegue criar dentro de uma torcida um sentimento de prestígio e/ou esperança responsável por alavancar não só a venda de camisas e das mídias sociais, como também da venda dos ingressos para os jogos (afinal não é todo dia que se consegue ver presencialmente o melhor do mundo jogar pelo seu time).
Em 10 de julho de 2018, por exemplo, a Juventus anunciou a contratação do até então 4x Melhor Jogador do Mundo, Cristiano Ronaldo. Em menos de 24 horas o perfil público do time nas mais variadas redes sociais ganhou mais de 2,2 milhões de seguidores. Seus contratos com Adidas e Jeep tiveram os valores mais que duplicados. A Konami bateu o martelo em um acordo de exclusividade que já vinha sendo negociado há um tempo. E as ações do time, até meados de março de 2019, viram seu preço subir mais de 140%. Outro exemplo recente foi a tentativa de criação da Superliga, no dia 18 de abril de 2021. A possibilidade de ter um evento que conseguisse rivalizar com a maior competição europeia, Uefa Champions League, e batalhar pelas ótimas receitas lucrativas do esporte, animaram bastante os investidores. Por isso, times como Juventus e Manchester United viram suas ações dispararem e subirem 12% e 11% respectivamente. Entretanto, mesmo com o esforço de alguns clubes para que essa competição saísse, o plano foi por água abaixo e como nem tudo é um mar de rosas, os idealizadores desse evento, como a própria Juventus, viram uma queda de 14% em poucas horas nos seus papéis.
Tais fatos tornam inegável a influência que um “simples” evento consegue ter nos resultados financeiros e midiáticos de um clube. Por isso, a tendência dos times procurarem se tornar empresas privadas e formas alternativas de se financiarem e alavancarem seus negócios, fazendo uma oferta pública inicial (IPO) por exemplo, é cada vez maior. Já ficou claro que, há muito tempo, o futebol deixou de ser um hobbie e passou a ser um empreendimento que pode ser bastante lucrativo.
Esse tipo de estratégia não está presente somente no mundo dos esportes, como foi mostrado anteriormente. É possível enxergá-la também na indústria do entretenimento, mais precisamente, na cinematográfica. Um dos filmes mais esperados do ano de 2020, Mulan, teve seu lançamento adiado devido a pandemia, entretanto a Disney viu a oportunidade de “matar dois coelhos com uma cajadada só”: aliar a alta expectativa do público com o filme, com um negócio de streaming altamente escalável. A possibilidade de lançar “Mulan” na plataforma e cobrar para assisti-lo representou, na época, um grande desafio para a empresa americana, já que não se sabia quantas pessoas estavam dispostas a pagar por esse privilégio.
Estratégias como essa ajudaram a compensar um prejuízo de 2 bilhões que a empresa havia tomado com o fechamento de seus parques temáticos. Em setembro de 2020, com menos de 1 ano de lançamento, a plataforma conseguiu captar mais de 60 milhões de usuários. Obviamente que isso foi refletido diretamente no mercado de ações, visto que a partir de junho daquele ano a empresa conseguiu ter uma valorização de 9% em seus papéis. No Brasil, o resultado foi ainda mais expressivo, pois as BDR’s da Disney acumularam um valor de 24,5% somente em 2020. Os cupons aumentaram 19,37% seguindo os ganhos das ações nos EUA com o resultado considerado positivo.
Entretanto, como nem tudo na vida são cases de sucesso, muitas empresas acabam se prejudicando com algumas estratégias devido a imprevisibilidade dos eventos. Ninguém esperava , por exemplo, que em 2020 haveria uma pandemia que mudaria completamente a dinâmica do mercado, tendo como um dos setores mais afetados, o setor dos cinemas. O segundo adiamento do filme “007 - Sem tempo para morrer” foi a “gota d’água” para a CineWorld (segunda maior companhia do segmento). A empresa viu as portas de 536 cinemas nos Estados Unidos e 127 no Reino Unido fecharem. Após o comunicado, os papéis da companhia caíram 54,14% e acumularam perdas naquele ano de 87,3%. A explicação da CineWorld foi que ela não conseguiria fornecer aos clientes uma gama de filmes que fosse suficiente para atraí-los de volta às telonas. Essa realidade, entretanto, não se restringiu apenas à CineWorld, já que companhias como Cinemark e AMC viram também suas ações depreciar 74,6% e 50,4%, respectivamente, e tudo isso porque foram impossibilitadas de lançar filmes que poderiam ser responsáveis pelo movimento contrário nos papéis (valorização) devido ao sucesso de bilheteria.
Portanto, fica nítido que o Mercado Financeiro está presente na vida das pessoas, mesmo que muitas vezes elas não se dêem conta. Desvalorizações em alguns setores e empresas podem ser responsáveis por uma alteração gigantesca na dinâmica da economia, visto que resultados ruins podem significar falta de investimento e desemprego, por exemplo. Por isso, muitas companhias tentam criar, de maneira sutil, padrões de consumo que podem ajudá-las a alcançar seus objetivos. Isso é um processo e, como foi dito anteriormente, deve ser feito da maneira mais discreta possível. Então, quando você achar que suas atitudes são completamente individuais e influenciáveis, acredite, você pode estar sendo manipulado.
Autor: Roberto Pessoa | linkedin
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